2.
De repente, Sinhá solta a voz energicamente:
- Meu filho vem me buscar!
As duas mulheres, espantadas, sorriem.
- Vem? – perguntou uma.
- Já disse que vem!
- Vem! Vem, sim! Confirmou enfática a outra.
- Eu vou viajar! Arrumem minhas malas direito!
As mulheres adentram apressadas o corredor para os quartos, pegam, sem pensar, o conjunto de malas guardado no closet e passam a enchê-las de tudo o que encontram pela frente. Logo, a mais nova para e pergunta:
- Será que o filho vem mesmo?
- Duvideodó!
- Então, por que arrumar as malas, mâinha?
- E quem é doido de discutir com Sinhá?
- Nem o filho? – incrédula.
- Quem tem coragem?
- Ela fala tanto nele...
- CULPA! Porque fez o filho de escravo!
- Mãe! – assustada – Que é isso?
- É a verdade! Faz mais de quarenta anos que eu tô com isso entalado!
Ouvem barulhos na sala. As duas mulheres caminham na ponta dos pés.
3.
Na sala, Sinhá pega o telefone, disca um número [de cabeça], observa o seu entorno com desconfiança. Após um certo tempo, fala:
- Filho? Estava dormindo? Ainda é cedo. Tudo bem aí? Como ´tá sua família? Tua vó? Tua tia? Também queria estar em São Paulo. Quando você vem me buscar? Estou com as malas prontas! Como ´tá o tempo aí? Aqui ´tá aquele abafamento, mas não posso nem ligar o ar condicionado. Não posso. Estão me levando à ruína. Preciso de ajuda, meu filho. – sussurra – As empregadas estão comendo tudo aqui em casa!
Escondidas atrás da porta as duas mulheres ouvem Sinhá.
- Diaba! Demo! – reage a jovem entredentes.
- Conheço há mais de quarentas anos! Mal-assombro!
Param de falar para ouvir Sinhá.
- Filho? Você pode pagar o plano de saúde? E o condomínio do prédio? ´Tá tudo pela hora da morte na Bahia. Ninguém faz nada por mim. Só eu...
As empregadas sussurram:
- Sinhá faliu?
- Reclama de barriga cheia!
- E o filho?
- Essa aí quase destruiu a vida dele.
- Ave, mâinha! É verdade?
- Eu sei de muita coisa. Se eu contá...
Apagam as velas da area de serviço e entram para o minúsculo quarto.