quinta-feira, 14 de abril de 2011

Sinhá - cenas: 2 e 3

2.

            De repente, Sinhá solta a voz energicamente:
            - Meu filho vem me buscar!
            As duas mulheres, espantadas, sorriem.
            - Vem? – perguntou uma.

            - Já disse que vem!

            - Vem! Vem, sim! Confirmou enfática a outra.

            - Eu vou viajar! Arrumem minhas malas direito!

            As mulheres adentram apressadas o corredor para os quartos, pegam, sem pensar, o conjunto de malas guardado no closet e passam a enchê-las de tudo o que encontram pela frente. Logo, a mais nova para e pergunta:

            - Será que o filho vem mesmo?

            - Duvideodó!

            - Então, por que arrumar as malas, mâinha?

            - E quem é doido de discutir com Sinhá?

            - Nem o filho? – incrédula.
 
            - Quem tem coragem?

            - Ela fala tanto nele...

            - CULPA! Porque fez o filho de escravo!

            - Mãe! – assustada – Que é isso?

            - É a verdade! Faz mais de quarenta anos que eu tô com isso entalado!

            Ouvem barulhos na sala. As duas mulheres caminham na ponta dos pés.


3.

            Na sala, Sinhá pega o telefone, disca um número [de cabeça], observa o seu entorno com desconfiança. Após um certo tempo, fala:

            - Filho? Estava dormindo? Ainda é cedo. Tudo bem aí? Como ´tá sua família? Tua vó? Tua tia? Também queria estar em São Paulo. Quando você vem me buscar? Estou com as malas prontas! Como ´tá o tempo aí? Aqui ´tá aquele abafamento, mas não posso nem ligar o ar condicionado. Não posso. Estão me levando à ruína. Preciso de ajuda, meu filho. – sussurra – As empregadas estão comendo tudo aqui em casa! 

            Escondidas atrás da porta as duas mulheres ouvem Sinhá.

            - Diaba! Demo! – reage a jovem entredentes.

            - Conheço há mais de quarentas anos! Mal-assombro!

            Param de falar para ouvir Sinhá.

            - Filho? Você pode pagar o plano de saúde? E o condomínio do prédio? ´Tá tudo pela hora da morte na Bahia. Ninguém faz nada por mim. Só eu...

            As empregadas sussurram:

            - Sinhá faliu?

            - Reclama de barriga cheia!

            - E o filho?

            - Essa aí quase destruiu a vida dele. 

            - Ave, mâinha! É verdade?

            - Eu sei de muita coisa. Se eu contá...

            Apagam as velas da area de serviço e entram para o minúsculo quarto.

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