quarta-feira, 6 de julho de 2011

SINHÁ - CENAS: 8-9-10

8.

Os homens desceram as escadas correndo. As mulheres trancaram-se no quarto.
- Sinhá dá muita história pra contar! Aconteceu muita coisa naquela casa...
            Os negócios do pai começaram a sofrer com a crise do cacau. O marido teve de tomar atitudes, arrojar-se na produção da fazenda que sucumbia entre secas e más colheitas. Passou a comerciar para outros fazendeiros, representar em outras cidades. A negra trabalhava para o pai de Sinhá, para a mãe de Sinhá e para Sinhá. Era muita sinhá para uma só existência. Ela não conseguia se comunicar com a patroa, gaguejava até não poder. No futuro, o filho de Sinhá adquiriria a mesma mania.
            - O menino era tratado a pão de ló pelo pai, homem bom para a família [até para Sinhá], mas sempre viveu bem sob os cuidados das empregadas. Até que o pai morreu num episódio, além de trágico, místico, que marcou o menino por toda a vida. A partir daí, a vida mudou: o garoto mimado passou a ser o saco de pancadas da mãe [em todos os sentidos] e passou a ter a tarefa dos empregados que foram colocados no olho da rua, na crise que se abateu. A mãe era inclemente.
            Aos dezessete anos fugiu de casa, exausto de tanto trabalhar, jurou nunca mais voltar a ser explorado. Entrou noite adentro à procura de carona, numa boléia contou ao caminhoneiro sua história. O homem ao volante percebeu a pouca idade e propôs: - Levo você até sua mãe e se ela disser que você pode cair no mundo, eu te trago comigo, te trato como filho e você cai na estrada, mais eu! Ao voltar para casa, a cena de choro molhado, rajada de lágrimas que se viu quando aquela mulher encontrou o filho, não se faz mais não. Ne3m dava para acreditar que quando o pai morreu no acidente de carro, o menino tornou-se de filho, um escravo. Sinhá não saía da cama, sem forças para nada, só mandar. A memória do pai no rosto do rapaz: tinha de sofrer quem amava Sinhá.

9.

É de manhã. As duas mulheres cochicham na lavanderia enquanto passam roupas.
- E essa agora de não deixar a gente usar a máquina de lavar louça, a secadora?
- Diz que é pra não deixá a gente mal acostumadas!
- Até parece que vô desaprendê a lava louça... tsc!
- Mania de rico achar que pobre não sabe nada! Desaprende tudo! Nem aprende!
- Tudo apagado numa cobertura, pode?
- Também num entendo! Onde será que ela quer chegar?
- cochicha mais baixinho - Quer arrancar mais algum dinheiro de alguém!
De repente, um vulto branco se joga da cozinha sobre as duas mulheres.
- MACABRAS! MACABRAS! MACABRAS!
- Socorro, mâinha! SOCORRO! Ela tá me mordendo!
- Dona Sinhá! LARGA, DONA SINHÁ! – puxando a mulher.
- Vou matar vocês! SUAS DEMO!!!
- Levanta da cadeira de roda só pra fazê maldade, Ê CÃO!
- CALABOCA, PRETA!
Dona Sinhá tem na face uma máscara de pepino que a deixa aterrorizante.
- Quem foi que ligou o ferro de passar roupas, suas demônio?!
- Tem que passar as roupa, né, dona Sinhá?!
- Tem de passar com o ferro à brasa, já disse, suas PREGUIÇOSAS!
- ÔXI!

10.

            Dona Sinhá sai cambaleante, passa na caixa de energia, retira um fusível e entra no quarto. As duas mulheres na penumbra, colocam fogo no braseiro.
- Mãe, como a gente deixa essa mulher tratar a gente assim?
- Ela já tratava assim a minha mãe, fia.
- Nós tem orgulho da nossa raça, mãe! Nós é preto, nós é zambi!
- Uma vez, ela jogou água fervendo na mãe...
- Isso é crime. Hoje em dia tem lei.
- Nós não tem pra onde ir.
- Nós é livre, mãe. É só a gente querer sair daqui que a gente sai. Agora.
- Num sei não se a gente é livre. Tem hora que eu tenho medo da Dona Sinhá ter um documento, um contrato dizendo que eu sô dela, boneca da menina-patroa...
- Por quê ela queimou a vó?
- Porque a vó falô que a água num tava quente. Pra provar que tava, ela jogou.
- Ela faz isso com tudo que é preto?
- Ela faz isso com qualquer um, mas quando ela fica incomodada com alguém, então, aí você nem imagina do que é capaz de fazer. Quando o filho trouxe a paulista grávida pra casa, precisava ver o inferno que foi isso aqui.
- Finalmente alguém que enfrentou a fera? Bateram de frente?
-De frente? O prédio todo ouviu a paulista arretada! O casalzinho dormiu na praia mais de 15 dias, a grávida ficou conhecida porque gritava o nome de Sinhá aos sete ventos. Teve vaia na porta do prédio. Dona Sinhá já foi muito odiada...  

Nenhum comentário:

Postar um comentário